domingo, 19 de setembro de 2010

Pois ia

Publicado no DM hoje:



Pois ia...

“Um livro de poesia na gaveta não adianta nada/ Lugar de poesia é na calçada/ Lugar de quadro é na exposição”, cantou o gênio capixaba Sérgio Sampaio, colocando cada lugar na sua coisa. Pouco antes de morrer, esse “poeta do riso e da dor” (já falei dele aqui), esteve em Goiânia, hospedado na casa do cantor Pádua. Sampaio, brother de Raulzito Seixas, foi uma das estrelas do clássico LP Sociedade da Grã-Ordem Kavernista do Brasil, que termina, brilhantemente, com o barulho de uma descarga (Se você nunca ouviu essa obra prima...corre pra baixá-lo aí na internet, meu fi!).

Na última sexta-feira tocou aqui outro “Kavernista”, companheiro de loucura do maluco beleza, o glam Edy Star, no festival Vaca Amarela.

Um dos cabeças desse Festival é o jornalista Pablo Kossa, que vem se destacando como um dos pensadores da urbanidade de nossa cultura . Tal discussão já era levantada em 87 pelo poeta do Criméia Leste, Luiz Fafau (zine Gilete-Press) em sua contribuição ao Manifesto do Salão da Nova Poesia Goiana, com o texto “A cultura do arroz com picles ou Mordendo no pequi”. Dizia Fafau:

“Se o nosso caboclo enrola o seu cigarrinho de palha, em cada esquina da cidade estão apertando mais um fino, e tome crack, e tome coca, e tome heavy, punk, pós-punk, blues; e tome as ruas cheias de carros; e tome neuroses urbanas”.

Me interesso por esse tema aí – tanto aqui nesse espaço, como nas minhas canções e nas discussões na universidade, sobre o capitalismo no Brasil.

E na última terça, tive uma oportunidade ímpar para expor meu ponto de vista e para ter contato com outra realidade daqui, pois lancei o sarau “alimento não-perecível” que é uma realização do Centro Eldorado dos Carajás em parceria com a Associação de Moradores do Conjunto Fabiana. O projeto ocorrerá quinzenalmente e visa abrir um espaço para a declamação, para a criação e para o diálogo de experiências.

A idéia do nome do sarau veio de uma conversa minha com Ana Lúcia, do Eldorado, sobre alimentos não-perecíveis. Como a poesia também pode ser transportada e armazenada por um longo tempo, ela é um tipo de alimento não-perecível.


Maiakóvski dizia ao inspetor de impostos: “A palavra do poeta é vossa ressurreição, vossa imortalidade, cidadão inspetor. Ao cabo de cem anos, dentre maços de papéis, destacarei uma estrofe e farei rememorar esse tempo.”




Enquanto Fafau, nos anos 80, já fazia o chamado para arrancarmos as páginas amarelas e refazermos nossa literatura, o poeta de Iporá, Pio Vargas, também se esforçava nesse sentido. Termino a prosa de hoje com o atualíssimo chamado de Pio (que converge com aqueles versos de Sérgio Sampaio, no começo dessa minha zona textual) em suas considerações necessárias:



“é preciso tirar a poesia da clausura dos concursos, das gaiolas do acaso, do exílio das gavetas, trazê-la para o sabor do consumo rápido e fácil, envolvê-la de popularidade, sem o vulgarismo perigoso do que é descartável, mas também sem a absurda pretensão do que se quer eterno.

poesia para fazer rir e refletir, evoluir e incomodar, propor e decompor. poesia para os botecos, para os gabinetes, para as praças, para os salões de festas, para os mocambos, para as favelas, estúdios, vídeo clipes e palanques.

poesia sem medo, poesia sem trauma, poesia-pão, poesia-sim, poesia-não. pois ia ousar um dia popularizar a poesia.

viva a poesia viva!”



2 comentários:

Roqueto disse...

Sábias palavras do Pio.Que a poesia se espalhe, seja ela verbal ou não...

Francine disse...

Espalhar a poesia. Isso é lindo