Os Brasis no mesmo lugar
Fortaleza é uma metáfora do Brasil, pois os dois “brasis” convivem no mesmo espaço. Uma cidade maravilhosa, onde convive o luxo e o lixo na mesma esquina. Por isso pedi pra colocar aí em cima esse poema visual de Augusto de Campos (publicado em 1965, ou seja, após aquilo que Décio Pignatari chamou de “salto participante” da Poesia Concreta, de 61 – tempo de efervescência política em que até os “concretos” foram instigados à pensar a “realidade concreta” nacional).
. No mês passado também fui levado a pensar na “realidade brasileira”, pois estive em Fortaleza pra tocar com minha banda. Foi a 1ª vez que fui ao Nordeste, a 1ª que comi camarão (pago com a “patativa” – moeda social usada pelo festival Feira da Música) e o 1º show da atual formação de O Sindicato, com o Hudz na bateria – por coincidência ele estreou, nessa nossa banda, em sua cidade natal. Voltei “quebrado” de Canoa Quebrada (onde ouvi um reggae, como na linda canção do Cidadão Instigado), indo do “pé na cova” (chulé) à “vida nova” – rs. Um belo lugar para recomeçar, dar outro passo, continuar a caminhada.
Sempre digo que não vivo “de” música, mas vivo “a” música. E ela tem me proporcionado conhecer lugares e pessoas. Assim, conheço, de dentro (enquanto expectador-participante), cada vez um pouco mais, a riqueza do Brasil.
Toda a multiplicidade cultural brasileira estava bem representada ali na Feira. A atual discussão sobre os rumos da música rolava solta nas mesas (do evento e dos bares). Pirei o cabeção com a sonzeira da banda pernambucana Ska Maria Pastora. Tinha desde o rockabilly do Dead Rocks até o suingue da moçada do Zé Cafofinho de Recife. Muito divertido o show de Messias Holanda, cantando várias vezes seu sucesso: “Eu quero me trepar/num pé de coco/pra saber se o coco é oco”.
Ali na Praça Dragão do Mar (símbolo da luta contra a escravidão), o fechamento do evento com o Emicida foi tanto uma aula de hip-hop, com qualidade poética (letras, verdades, rimas, aliterações – fugindo dos chavões) e sonora (bases inusitadas), quanto uma reflexão instigante sobre a vida.
“O mar é imenso e vários tão emocionado só com a brisa” (Emicida).
Na praia do Futuro, senhor Ossian, proseando comigo, arrematou com lucidez: “aqui é o paraíso... se tiver grana”. Felizmente eu tinha as patativas e mais algumas moedinhas. Pois, realmente, se você não tiver um trocado qualquer no bolso, o céu pode virar um inferno. Muita miséria no paraíso. Muito pedinte, viciado em crack, e muito gringo, que curte um travéco, se esbaldando com a prostituição local.
Dessa forma, a velha discussão dos anos 50 (ISEB. CEPAL e a esquerda nacionalista) sobre o “subdesenvolvimento” volta à tona de forma caricata, quando vemos o “sub”desenvolvimento dando prazer ao “rico desenvolvido”. A população local (se) vendendo por alimentação, para os gringos, ou seja, sendo comida para comer.
Mas, pensando bem, Goiânia também é uma metáfora dos brasis, com suas contradições. Aqui você encontra de tudo: desde criança cheirando cola no sinaleiro até as mulheres mais lindas do país.
LÁ é o melhor lugar pra se (re)ver o AQUI.
“O Brasil que saca e o Brasil que soca” (como canta Seu Jorge). O litoral (voltado para a Óropa) e o sertão (esse “desconhecido” que somos). Multiplicidade na cidade.
A beleza e a tragédia no mesmo espaço.
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