domingo, 15 de maio de 2011

Na “Cela de aula”


Sou um professor. E, como todo professor, sou, primeiramente, um aprendiz. Em cada aula aprendo algo com meus alunos, ao mesmo tempo em que discuto um conteúdo, levo uma palavra nova, apresento uma sugestão. A cada dia tenho mais certeza de que a aula só é boa quando é uma “troca de idéias”, um “bate papo”, ou, teorizando melhor, um diálogo, um momento de troca de experiências, de aprendizado mútuo. Como diz o filósofo Álvaro Vieira Pinto (que Paulo Freire considerava um grande “mestre brasileiro”): “A preparação do educador é permanente e não se confunde com a aquisição de um tesouro de conhecimentos que lhe cabe transmitir a seus discípulos. É um fato humano que se produz pelo encontro de consciências livres, a dos educadores entre si e os destes com os educandos”.
Na vida (essa “arte do encontro”, segundo o poetinha Vinícius), em sala de aula, já tive muitos desencontros – principalmente em turmas lotadas de alunos com hormônios à flor da pele, que só viam na aula uma mera obrigação passageira. Já tomei muito anador. Já pensei em mandar tudo pra PQP. Mas, ultimamente, tenho sentido uma alegria danada com meu ofício de professor. Apesar dos penares, sou extremamente orgulhoso, graças a Deus, com a cruz e o giz que carrego. Só tem duas coisas chatas: botar pontinho no diário e ver o contracheque no fim do mês (aliás, sobre esse segundo item, teve até uma paralisação nacional dos trabalhadores em educação na última quarta – para maiores informações, consulte o site: http://www.cnte.org.br/ ). Agora, voltando a aula de hoje ao lado bom de dar (ou melhor, “vender”) aula...
Tenho transferido um pouco do que aprendo, ensinando, lá na cadeia pública da “minha cidade” (ou melhor, da cidade a qual pertenço, pois ela me integra), Senador Canedo, desde novembro do ano passado, quando o concurso do Estado (a notícia mais feliz que recebi nesses últimos anos da minha vidinha!) me encarregou de ir lá lecionar: História, Geografia e Ensino Religioso. Pra mim, foi um prêmio, no meu 1º dia de aula lá, um re-educando me dizer: “Poxa! Gostei demais da sua aula! Nem deu sono!” Antes que você cochile aí, deixo um forte abraço para os carcereiros que abrem a “cela de aula” e para meus colegas que propagam a liberdade do conhecimento. Ali na “cela de aula”, meus alunos dizem que a hora da aula é um “momento de liberdade”. Muitos estavam longe da escola há mais de 20 anos e se arrependem de não ter valorizado a sala de aula quando estavam com os hormônios à flor da pele.
Em outra oportunidade, pretendo falar das idéias pedagógicas do Vieira Pinto, o camarada citado no 1º parágrafo – principalmente aquelas apresentadas no seu livro “Sete Lições Sobre Educação de Adultos”. Por ora, fica aí a sugestão. E termino o papo de hoje com uma frase emblemática de Cora Coralina, a “menina feia da ponte”:

Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
[publicado no Diário da Manhã]

5 comentários:

Kaio Bruno Dias disse...

Que artigo lindo cara.

Allysson Garcia disse...

E aí Dieguito, muito boa sua reflexão. Quando trabalhei com o EJA no estado, na região do Garavelo, foi uma maravilha também, poxa, como aprendi.
Hora ou outra quero colocar em prática uma idéia que tive à época, pois também, trabalhava com alunos do fundamental e médio regulares, em suma, a idéia constitui-se em colocá-los em diálogo: àqueles prestes à abandonar a escola, com aqueles que retornam por necessidade, oportunidade nos anos avançados de suas vidas.
Quantas alun@s não me disseram: "professor, já estamos velhas para aprender"; "a mente já não funciona como no passado". E assim, muitas vezes nossas aulas eram possibilidades de refletir sobre questões pertinentes à vida deles: a história do trabalho; os processo de urbanização e modernização e a necessidade da capacitação; a história das relações de gênero e os papéis de homens e mulheres em tempos e lugares idos, quando dona Ana pode confessar para a turma que não estudou mais pois seu pai a proibiu: "Filha minha vai estudar para quê? Pra enviar carta pra namorado. Nada disso!", três meses depois abandonou a escola mais uma vez para ir cuidar do pai doente no interior do estado.
Estas lembranças são meu ordenado, e alimentam minha persistência em continuar a "vender" aulas, hehehe
Grande abraço!

Mauro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mauro disse...

Me perdoe. Não percebi os dois pontos indicando a citação da Cora. Realmente, a vida é um eterno ensinar e aprender. Meu saudoso pai sempre dizia: o saber não ocupa espaço.

Mauro disse...

Ei