segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Ofensiva contra Nelson Werneck Sodré

Texto meu no DM de ontem:



Senhor Laurentino Gomes, sei que és um jornalista respeitado, que ganhou muita grana com o best-seller 1808. Me decepcionou sua entrevista à Playboy deste mês, onde disse a seguinte asneira:

“A obra do Nelson Werneck Sodré é irrelevante. Na década de 1970, um intelectual menor como ele era celebrado como historiador sério porque era marxista. Ele é um propagandista, um proselitista.”

O senhor, no conforto de dividir a revista com a paraguaia Riquelme, em 3D, vem nos dizer uma besteira dessas? IRRELEVANTE é a difamação sem argumentos, contra o pobre Sodré - um democrata que se revira no caixão, nesse momento... da democracia do Tiririca da Florentina, Laurentino.

Concordo que é uma bobagem dizer que jornalista não deve escrever livros de história – Sodré, por exemplo, além de general, também era historiador “E” jornalista. Porém, quando o senhor diz que “professores de história te boicotam, o que é de uma pobreza lamentável”, penso diferente. “Lamentável” é o boicote ao derrotado Sodré – que merece ser lido, inclusive, como depoimento histórico.

O senhor critica a linguagem dos historiadores e o fato de não narrarem numa perspectiva ampla. Sugiro que leia O ofício do escritor, onde Sodré (clássico no quesito “pespectiva ampla”) defende a clareza da expressão. Se ele estivesse vivo seria um grande crítico dessa “história em migalhas”.

O senhor diz que Sodré era celebrado nos anos 70, enquanto desprezavam Gilberto Freyre e Câmara Cascudo, nas universidades, e completa: “hoje é impossível entender o Brasil sem estudar a obra de Freyre e de Cascudo, enquanto a de Sodré se perdeu na poeira do tempo.”

“Se perdeu” porque nós, pobres seres ignorantes, que devemos escrever a história, ainda não tiramos a poeira dos livros dele. Porque, no nosso conforto, não lemos com o respeito devido o conjunto da crítica literária, da análise da imprensa, da obra historiográfica de Werneck Sodré.

O isebiano Sodré NÃO foi “celebrado” nos anos 70, senhor desatino. Os isebianos, nacionalistas-historicistas, foram, sim, hostilizados pela historiografia acadêmica estruturalista do período.

Sobre o “ranço marxista” e o “contrabando ideológico perigoso” na historiografia. Duas coisitas: o marxismo é minoria na universidade e sua entrevista foi uma das coisas mais “ideológicas” que vi nos últimos tempos – só perde pro filme 2 filhos de Francisco, pro filme do Lula e pra revista Veja.

Recomendo, também que leia o livro A Ofensiva reacionária, onde Sodré narra vários fatos de perseguição ideológica no pré-64. Intelectuais, que sonhavam com “outro Brasil”, sofreram uma “ofensiva”,que se estende aos nossos dias (guardo sua entrevista como um documento disso). Sodré, perseguido em vida, é, agora, perseguido em morte.

Posso discordar do nacionalismo, da tese dos “resquícios feudais” e da militância de Sodré; mas não posso chamar sua obra de “irrelevante”, pois reconheço nela um esforço tremendo de compreensão histórica, uma memória das lutas sociais no Brasil e um trabalho intelectual coerente, aberto ao debate.

Até o nosso amigo Paulo Francis disse, em seu livro sobre 64, que “Nelson é um scholar, talvez mais interessado no saber do que em ideologia”.

O senhor, “caro” Laurentino, fez fortuna escrevendo livro de história e vai em uma revista de circulação nacional “chutar cachorro morto”, desprezar um dos pensadores mais dedicados ao conhecimento histórico nesse país? Tenha dó, né?

Coloque os joelhos no chão e reze, senhor Laurentino, para que, no futuro, nenhum idiota vá em uma revista nacional, dizer que a “SUA” obra é irrelevante.

É muito fácil “atirar a pedra”, o difícil é construir uma crítica bem argumentada.

Se atina Laurentino!

Um comentário:

Rildo Bento disse...

Parabéns Diego, uma das críticas mais contundentes e consistentes que já vi sobre as asneiras proferidas pelo jornalista Laurentino. Abçs.