sexta-feira, 1 de abril de 2011

Um notável 1º de abril


“Posso não concordar com nenhuma de suas palavras, mas defenderei até a morte o direito que você tem de dizê-las”. Várias vezes já citei essa máxima do filósofo Voltaire, na sala de aula ou em debates que envolviam a defesa da liberdade de expressão. Outra que eu sempre lembrava, em tais situações, era a idéia do Raul: “Não tem certo, nem errado, todo mundo tem razão e o ponto de vista é que é o ponto da questão”. Mas a esdrúxula cena do “Boçalnaro” no CQC, me fez repensar essas duas frases emblemáticas. Luto, enquanto artista, pela liberdade, mas não posso defender, enquanto cidadão, a expressão de qualquer tipo de proposição, como as que ferem princípios democráticos, de respeito à diversidade e à liberdade de escolha individual. O artista e o cidadão estão juntos. A arte da cidadania envolve liberdade, sim, mas com limites: a minha termina onde começa a sua. Caso contrário, cairia num perigoso relativismo que justificaria tudo mais qualquer coisa. E aí entra um bloco de questões, como: até que ponto pode a democracia aceitar uma visão antidemocrática? Voltaire defenderia o direito de expressão contra o próprio direito de expressão? Todo mundo tem razão?

Lembro-me quando o Diomídio, um amigo meu de faculdade, questionava a historiografia “pós-moderna”, dizendo que o relativismo poderia ser usado como defesa do nazismo, uma “perspectiva”, já que “tudo é válido e a verdade é um ponto de vista”. Diomídio tem razão, nesse ponto: nem todo mundo tem razão. Se o sujeito acha o governo milico foi venerável, ok, uma opinião. Se ele discorda das cotas, mais uma visão. Se vê repudia a relação homossexual, outra opinião – partilhada por muita gente! – e o debate está posto. Do conflito dos argumentos chegamos a uma conclusão, a uma “verdade”. Eu, enquanto professor, convivo com o debate e vejo muitas pessoas “de bem” concordarem com várias assertivas defendidas por Bolsonaro, embora não explicitem, como ele fez, se mostrando pro país inteiro como caricatura ambulante e anacrônica – caricatura da visão de mundo que marchou pela TFP. Bolsonaro é só um exemplo grotesco de como o tipo de pensamento “reacionário” do pré-64 encontra defensores, ainda hoje. O nosso próprio Luiz Gama disse, em seu twitter, sobre o “deputado da família brasileira”: “O dep. Jair Bolsonaro está garantido por mais uns 5 mandatos como deputado federal. A maioria do eleitor brasileiro pensa igual o deputado.” Pensa igual? Então vamos “democratizar o nazismo”?

Essa cena do Boçal, caiu como uma luva pra começar uma semana em que relembraríamos daquele 1º de abril em que contaram uma grande mentira: a “revolução de 64”. Se você é pró-democracia e ficou incomodado diante do pastiche fascista, leia a “Petição em repúdio ao Deputado Jair Bolsonaro”, reflita e, caso concorde, assine ( http://www.peticaopublica.com ).

Falando de expressão democrática, aqui em Goiás, o último 1º de abril, foi eleito o “dia da verdade” por vários artistas e produtores culturais, que, levantando lemas como “arte é trabalho”, se manifestaram exigindo, do governo do Estado, o tratamento da cultura enquanto prioridade. Para se informar mais, sugiro a participação do Fórum Permanente de Cultura (Goiás), com página no facebook. Contrariando o coro retrógrado de figuras como Boçalnaro, os agentes da cultura daqui nos remetem a outros aspectos do pré-64, que merecem ser lembrados, tais como a perspectiva prospectiva, democrática e crítica.


[publicado no jornal Diário da Manhã]

2 comentários:

Maria Lucia disse...

Li seu artigo, porém considerando que ponto de vista não se discute, aliás, conforme citação ali postada. Bolsonaro extrapolou em seu exacerbado discurso, porém, ele não está sozinho. Nós, brasileiros, somos de modo geral preconceituosos. Muitos de forma velada. Exemplo? Convivemos socialmente com negros e com GLS. Tenho certeza de que se tivesse uma filha ou filho não apreciaria sua condição de homossexual, como também não gostaria que se casasse com um(a) afrodescentente.
O que eu acho mais grave ainda é deputados e senadores envolvidos em corrupçção,em improbidade, vir a público pedir a cassação de Bolsonaro.
Uma lástima! Quantas caras têm nossos políticos?

Mauro disse...

Diego, Como expressou sua opinião, creio que o Bolsonaro tem o direito de expressar a dele. É um "direito". Não que eu concorde, mas, direito é direito. O que ele conseguiu foi a antipatia de 90% da população. O que não pode acontecer é que ele manche a imagem de alguém ou agrida, física ou moralmente, as pessoas. Ele expos sua opinião e terá arcar com as consequências. O ponto negativo é que ele é um representante do povo, o positivo é deixar que as pessoas se expressem livremente. Agressões, de qualquer tipo, é coisa de polícia e justiça.