segunda-feira, 18 de abril de 2011

Nos trilhos sonoros de Sérgio Sampaio


Texto meu publicado no Jornal Opção:




Mamãe varria a casa cantarolando a marcha-rancho “Eu quero é botar meu bloco na rua”, sem saber quem era o compositor. Aqueles versos adentravam meu inconsciente de menino em um Senador Canedo sem internet, que me obrigava a ligar as pontas por conta própria. Na adolescência, encontro, numa antiga revista Bizz, no canto de uma matéria sobre o Raul Seixas, uma nota sobre “um tal” de Sérgio Sampaio, e descubro que ele é o autor daquela melodia que mamãe cantarolava. Guardo o nome e sigo. Um dia, vasculhando sons, num sebo no centro da nossa capital, esse “bicho urbano-rural” chamado Goiânia, encontro um cd que sangrava o bendito nome na capa. Era um disco clássico da MPB, relançado em cd, no início do século XXI, sob a supervisão do (ex)”titã” Charles Garvin. Sem pensar duas vezes, gasto meus trocados, sem poder, e volto pra casa feliz da vida, me sacudindo no Eixo “diabo velho”.

Revista Super Pop - fevereiro de 1973


“Eu quero é botar meu bloco na rua”, álbum lançado pela Phillips, em 1973, foi um estrondoso sucesso de vendas, graças à repercussão da faixa título, que se destacou no VII Festival Internacional da Canção, e projetou a persona enigmática de Sérgio Sampaio, na história da música brasileira — sendo, depois, tachado com a alcunha de “maldito” ou “marginal”. “Maldito vírgula”, levanta o dedo Itamar Assumpção! O sucesso do “Bloco” permanece, agradando a gregos e troianos e divulgando esse gênio, “poeta do riso e da dor”, que completaria 64 anos, no último dia 13, se uma pancreatite não o tivesse levado, assim como levou Leminski.

Depois de me embriagar por cada detalhe desse álbum, vasculhei o restante da discografia de Sampaio e, entre o pirado “Sociedade Da Grã-Ordem Kavernista” (1971) e o póstumo “Cruel”(2006), encontro o último disco que ele lançou em vida, “Sinceramente” (1982), afirmando que “não há nada mais bonito do que ser independente”. Cada canção, uma pérola. O conjunto da obra é de arrepiar, mas considero o “Bloco”, o mais bem gravado, graças à aula de produção dada por Raulzito Seixas, que também foi levado por uma pancreatite.

Entre as faixas desse disco que tiveram mais destaque radiofônico, está a canção “Viajei de trem”, com seus versos angustiados e sintomáticos de um período histórico obscuro, lastimando: “minha lucidez nem me trouxe o futuro”. Sérgio dizia que só incluiu essa música no repertório do LP por insistência de Raulzito, que se entusiasmava com ela. Daí, fico aqui, pensando com meus botões: será que essa música não inspirou Raul a fazer o “Trem das 7”? Pensa comigo. Ambas são construídas em um dedilhado enquanto base para uma poesia psicodélica que destaca a imagem metafórica da ferrovia. Será? “Viajei”? Acho que não. Os compositores se influenciam. Por exemplo, aí no título desse texto faço um intertexto com a expressão “trilhos sonoros”, que batiza uma das canções do meu amigo Kleuber Garcêz (meu parceiro na banda Pó de Ser), canção que foi inspirada em um verso de Juraildes da Cruz. É assim... Uma canção gera outra. Mamãe viajou de trem e eu viajei na canção.


Wander Wildner nos trilhos do coração


“Viajei de trem” é reinterpretada por Wanderley Luis Wildner (o conhecido “punk brega” Wander Wildner) em seu novo disco, “Caminando Y Cantando”, lançado no fim do ano passado. Além de Sérgio Sampaio, ele também recria, com seu vocal rasgado, a “À Palo Seco” de Belchior, evidenciando sua paixão pela música setentista. O single “Boas Notícias”, de seu amigo Gustavo Kaly, se encaixou como uma luva no espírito desse álbum, “on the road”, em que o romântico Wildner, com a pegada forte do violão de aço, se apresenta como um intérprete de personalidade. Para embarcar nessa viagem sonora que cheira à estrada, acesse: http://www.myspace.com/wanderwildner

“As ruas marchando invadiam o meu tempo”.




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