[texto de hoje, no jornal Diário da Manhã:]
O “ano que vem” já veio. Então você está lendo no “ano novo” isto que escrevi no semana passada, no “ano velho”. Pela convenção do calendário cristão estamos, assim, separados no tempo: eu (nesta madrugada de 2010) e você (aí, já no “ano que vem”).
Bom. O esperado de todo cronista, hoje, é uma reflexão sobre o ano que se inicia. Tudo bem. Só que não quero dar tapinhas nas suas costas e dizer: “Tudo de bom neste ano... saúde e paz, o resto a gente corre atrás... felicidade, dinheiro, harmonia, sucesso etc e algo mais.”. Isso todo mundo já faz, correto? Logo, parece-me desnecessário encher esta coluna com letrinhas otimistas – embora, do fundo do meu coraçãozinho tosco, eu só deseje coisas boas aos meus queridos leitores, pacientes com meu pensamento atravessado, neste espaço dominical. Se não quero simplesmente circular em torno da expressão “feliz ano novo”; o que quero, então?
Desejo falar que desejo um ano de desejos (a frase ficou péssima? Sim. Mas a idéia é boa. “Desejo um ano de desejos”). Um ano de “vontade de vontade” (outra idéia infame; mas, até que dá pra salvar, parafraseando a idéia nietzschena de “vontade de potência”) de busca, de vida ávida por auto-superação. Oposto da felicidade sossegada da “poltrona do dia de domingo”. Um ano de luta por projetos, de lançar-se em apostas, de tentativas... e, enfim, de erros, de fracassos brilhantes.
Tentar é se sujeitar ao erro. Aí chego no assunto que queria: a virtude do erro. Foi tropeçando que aprendi a andar; caindo que aprendi a pedalar; quebrando a cara que o cara se tornou o cara. Logo, a vida, a arte, a ciência, a história... dependem do erro. Do erro que desafia o consenso unânime. Então erre! E, já que é pra errar, erre direito. Se agrade; se orgulhe. Erre com vontade. Erre grande. Não perca tempo com pequeninos errinhos inofensivos, pecadinhos pueris, tentativas medíocres. Se é pra errar, erre pra valer. Opa! Não! Peraí! Nenhuma ação criminosa, por favor! Também não tô te incentivando a trair a patroa ou o maridão! Pondere! Falo de tentativas não-convencionais, fora do senso comum, predispostas à possíveis insucessos. Não sou o Marquês de Sade, pelamôrdideus! Sou só um mísero cronistazinho de meia tijela cheio de boas intenções na alma dizendo: “Tente”,“Erre”... Erre aquele tipo de erro pra você, no futuro, olhar pra trás e dizer: “É... faria tudo de novo”. Erre pra ter o que contar pros seus netos (pros netos, pois pros filhos tem que dar o bom exemplo moral. Senão vira bagunça). Itamar Assumpção já cantava: “quem não vive tem medo da morte”, “fui me corrigir...errei”. É por aí. O grande erro mesmo é ficar aí afinando o coro contente e fascista dos hipócritas, corretos politicamente.
E se, no fim, a tentativa realmente se transmutar em equívoco, lembre-se da oração do grande Gandhi: “Senhor, se não me deres o êxito, dá-me forças para aprender com o fracasso”. Ele sabia que “o fracasso é a experiência que precede ao triunfo”. Gosto dessa frase e gosto mais ainda da idéia, sem auto-piedade, do Samuel Beckett: “Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo. Fracassa melhor.”
Todos meus sucessos na vida são resultados dos meus melhores erros. “Eu devia ter errado mais” e, assim, acertado mais. Devia ter tentado mais; mas a tradição ocidental sempre podava minhas tentações. Talvez o momento seja esse. Expectativas se renovam com a simples mudança da folhinha do calendário. Ano novo, vida nova. Ai, eu não me seguro... “Feliz ano novo, meus queridos!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário