Dia desses um camarada me chamou de “pretensioso”. Eu logo respondi: “Poxa vida! Obrigado pelo elogio!” Ele ficou com uma cara de tacho, sem entender porque, naquele momento, achei o adjetivo “pretensioso” um grande elogio, que alegrava aquele dia, que trazia vida àquela tarde sem graça, que me entusiasmava a continuar existindo neste “mundo imundo”, que me fazia cócegas no ego e me estimulava, com ternura, a sorrir candidamente daquela situação.
O sujeito simplesmente não entendeu minha reação inusitada. Ele queria que eu visse o tal adjetivo pela ótica do sonso comum, como um sinal de falha em meu caráter, um defeito a ser consertado, um pecado em praça pública, uma característica a ser extirpada do fundo da alma, uma ofensa à moral e aos bons costumes, um problema na sociedade, uma futilidade na cidade, um gesto obsceno no meio da civilização. O cara, com certeza, pensava diferente de mim. E eu, humildemente, pretendi ali expor meus argumentos pra elevar a “pretensão” a uma bela virtude em nossa cena de país emergente na conjuntura apocalíptica mundial, enfim, nesse nosso contexto de nação que tenta, dia a dia, botar por terra o que Nelson Rodrigues chamava de “complexo de vira-lata”.
Pensa comigo. Já sou pobre, fudido, lascado, desnutrido, subdesenvolvido, subordinado, subestimado, fedido, um coitado qualquer, feio, narigudo, sem pai, com mãe viúva, roqueiro no sertão, caipira no rock, jovem saudosista já cansado da vida, cara sem saída, poeta trágico, idiota, verme, iconoclasta, insignificante, racionalista na era pós-moderna, Macunaíma filosofando de sunga, professor da rede estadual, latino-americano, brasileiro de estatura mediana, no “Goiais”, no Senador Canedo... ainda queria que eu fosse mais um conformado, sem projetos? Aí seria muita desgraça prum indivíduo só, sô!
Desculpa. É que não consigo me conformar com a apologia distorcida da humildade, como se o humilde fosse o que se faz de coitado, aceita a própria miséria, passivo, resignado, abaixando a cabeça ao dizer “sim, sinhor”. Vi aqui que a palavra “humildade vem do latim humus que significa ‘filhos da terra’ e se refere à qualidade daqueles que não tentam se projetar sobre as outras pessoas, nem mostrar ser superior a elas”. Uma coisa é o cara não tentar se mostrar superior aos outros. Outra é, equivocadamente, achar que o sujeito humilde é o que aceita e se sujeita à situação. Então, mantenha a cordialidade e o respeito na idéia de humildade e arranque fora a “passividade” desse conceito!
Insisto: uma dosezinha de pretensão não faz mal. Só uma dosezinha. Aqui no meu dicionário diz: “pretensioso é quem possui pretensão ou vaidade”. E “pretensão é o resultado de pretender; exigência; presunção; excessiva vaidade”. Então fica a dica: pegue esse conceito, tire o excesso de prepotência e de vaidade fútil (mas deixe um pouquinho desse pecado capital, pra você conseguir levantar da cama) e mantenha a idéia de “resultado de pretender”. O filósofo Álvaro Vieira Pinto (abordando o conceito de nação enquanto projeto) falava do sentido literal da palavra “pretender”, como “pré-tender”, “tender antecipado” para um estado real, e não no sentido imaginário de pretender, na acepção de querer passar por aquilo que não é.
É isso. Assim, concluo: se eu não tivesse o mínimo de pretensão, pra manter minha cabeça em pé, sustentada por essas canelas fininhas... aí sim, estaria, realmente, fudido. Sei que nada sou sem a vontade de ser. Amém!
Um comentário:
Pretender é preciso!
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