Texto meu no DM ( http://site.dm.com.br/ ) de hoje:
Musikaos, Hang The Superstars e Jorge Mautner
Há cerca de 10 atrás eu esperava, ansioso, a meia noite de sábado para assistir ao programa Musikaos, na Tv Cultura. Este programa, apresentado por Gastão Moreira, era uma espécie de vitrine do que acontecia na tal da “cultura alternativa”. Como, na época, eu tinha pouco contato com a internet, era a minha forma de sacar as bandas que não passavam no Faustão e nem estavam no top 10.
Mais ou menos nesse período, passando na Hocus Pocus, símbolo “underground” ali na Araguaia, no centro de Goiânia, encontrei o figura Maurício Motta. Ele estava de jaqueta de couro, com o cabelo bagunçado e folheando umas revistas ao prosear com o Junim. Eu folheava a revista Chiclete com Banana do Angeli (anagrama pra Genial, segundo o Millôr) e comecei, não sei porque, a conversar com ele sobre o pós-punk da banda Joy Division.
Na ocasião comprei a fitinha K7 da banda do Motta, a Hang The Superstars (“Enforque o Superstar!”). A fita tinha um nome sugestivo: “It’s better for you”. Eu já tinha pirado com em um show da Hang
Daí, numa bela noite de sábado, eu estava colocando bombril na antena da minha antiga TV... e quem vejo no Musikaos? Hang!
- Caralho! Que coisa boa! A banda daquele magrelo que conheci na Hocus Pocus? Que doideira!
Hang The Superstars tinha uma energia pulsante e um sarcasmo único. Tanto que tinham uma das músicas mais irônicas do Brasil: “Here is not London”. Imagina a cena do Kaos: uma banda com sotaque goiano, de terno e gravata, cantando em inglês “aqui não é Londres”! O iconoclasta Maurício Motta é um dos meus ídolos. Daí penso: “meus ídolos são meus ídolos por serem anti-ídolos! Enforque os ídolos!”
A história da mitológica Hang é tão interessante, que acaba logo que eles lançam o primeiro (e último) CD completo: “First, Lost and Away”, em 2005. Essa banda, que deixa saudades, estava ali naquele programa Musikaos. Kaos com k mesmo, por causa da filosofia do beatnik brasileiro Jorge Mautner, que era um mestre sempre presente no programa recitando suas maluquices lúcidas.
Pois é. Terça-feira passada Mautner esteve, com seu violino, tocando na abertura da 10ª Goiânia Mostra Curtas. Valeu a iniciativa de Maria Abdalla de trazer esse ícone da cultura brasileira, pré-tropicalista “maldito da MPB” (embora ele tenha um vinil chamado “anti-maldito”)! Como disse Jards Macalé: “maldito é uma espécie de bendito ao contrário”. O show de Mautner, no entanto, não empolgou muito a platéia, ainda que tenha tocado seus sucessos “Eu não peço desculpas” (gravada com Caetano no cd premiado pelo Grammy) e o famoso “Maracatu Atômico” (que NÃO é uma composição de Chico Science!), de Mautner e Nelson Jacobina.
Lá fora do teatro, o cineastra Carlos Magno me retruca: “Cartola e Nelson Cavaquinho cantavam na boemia, mas só foram gravar quando já estavam velhos. Já do Mautner conhecemos sua produção de juventude e agora vemos ele assim...”. Mas precisamos relativizar, caro Carlos. Mautner soube seguir a vida sorrindo, ao contrário de Torquato Neto que disse: “Pra mim chega!” São duas opções distintas perante a existência. Hoje eu não quero mais ser o Ian Curtis; quero ser o Frank Zappa!
O Musikaos não existe mais, mas fica seu legado de transmitir a filosofia kaótica de Mautner à outras gerações e a lembrança desse marco da cultura alternativa brasileira. Eu soube, perguntando pelo twitter ao professor Nasr Chaul, que ele compôs a letra da música “Tropikaos” inspirado por Mautner – e disse que eu fui o primeiro, em 25 anos da letra, a descobrir isso! É o Kaos da internet unindo, assim como queria Mautner, MPB e rock, tradição e inovação, asfalto e sertão.
“O Kaos é a tensão dramática, enlouquecedora, purificadora, da existência”.
“O Kaos é Marx mais Nietzche!” e conclue Mautner (um dos nomes do rock tupiniquim):
“Ou o mundo se brasilifica. Ou vira nazista!”
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