terça-feira, 3 de março de 2009

"Memória morta" (por Carolina Tulim)


No show de sábado passado antes da última música (Deus) li o último texto de meu pai,
pois naquele dia comemoraríamos o aniversário dele,
caso ele estivesse entre nós...

Hoje recebo por email a notícia que minha amiga Carol escreveu um artigo, publicado ontem no site da Affego e, hoje, no site do Centro de Mídia independente, dedicado a mim.

O artigo é uma análise de um processo civilizatório em curso que pode acabar com a memória póstuma, segundo Carolina.

Colo o texto aqui, pois acho a reflexão digna e me emocionou profundamente:




Memória Morta
(por Carolina Tulim)


Domingos e seu filho, Diego.


Neste 28 de fevereiro, o comerciante Domingos Ribeiro Campos completaria 55 anos. Poucos lembrarão ou celebrarão a data, considerando-se que já se vão 13 anos desde a sua morte. Sua prole, porém, que conviveu e conheceu a fundo todos os seus erros e acertos, participou de suas conquistas e pôde partilhar de seu amor incondicional, nunca esquecerá. Cada ano de sua ausência terá o mesmo gosto acre do primeiro, mas guardarão consigo, individualmente e como tesouro, todos os vestígios que resultaram e ainda se mantém como prova viva desse forte laço afetuoso.

Só eles conheceram seu talento para as rimas poéticas, sua humildade em reconhecer erros, pedir desculpas e agradecer. Apenas seu miúdo círculo recordará suas peculiaridades e características no ano de seu centenário.

A individualidade do mundo chega ao auge da sua transparência na morte. Essa tese ganha força nas observâncias feitas em situações de dor e perda. Em determinada ocasião, enquanto esperava meu lanche num quiosque da Rua 10, resolvi, sabe-se lá por qual motivo, visitar a Catedral. Eu, que sempre me impressiono e assusto com esse fim que desconheço e não consigo explicar, saí o mais rápido que pude ao ver que se tratava de um velório. Nem cheguei a ver a cara do defunto ou das pessoas que o cercavam, tamanho o sobressalto, mas o que mais me chamou a atenção foi a atitude dos transeuntes daquela rua.

Nenhum deles, e me incluo aqui, fazia idéia do que realmente se passavam no interior daquele templo, da dor daquelas pessoas ou de que tipo de homem havia sido aquele. Algumas falavam distraidamente ao celular, outras esperavam condução. Mas não sabíamos, e nem fazíamos questão alguma de saber, quais foram as pessoas que ele mais amou, ou os percalços mais difíceis de sua vida. Essas são questões que ficaram ao encargo dos próprios amados, envolvidos nesse frágil e diminuto círculo.

Acontece que passamos agora por um processo civilizatório que está reduzindo e desqualificando as relações humanas e dificultando a formação destes círculos. As pessoas não estão mais tão abertas a compartilharem suas vidas e rotinas, desprezam o envolvimento emocional e estão ocupadas demais preocupando-se consigo mesmas para gastarem seu tempo desvendando o próximo. A impessoalização, motivada pelo aumento das cidades, dos níveis de criminalidade e violência e conseqüentemente de desconfiança, dificultou o acesso entre os indivíduos.

O resultado disso, a não tão longo prazo já que se trata de um processo em curso, será a banalização da morte, das ligações familiares, humanas e amorosas, desencadeando um isolamento massivo da população. E a possível ascensão de doenças comportamentais e sociais, além do fim da memória póstuma. Em outras palavras, estaremos fadados ao esquecimento.


Texto dedicado a Diego de Moraes, filho de Domingos Ribeiro Campos.
Email:: carolinatulim@gmail.com

Um comentário:

Lique House disse...

Não sabia q sua poesia era paternal. Sempre bom te conhecer melhor nem que seja na pior friesa da comunicação, como a internet. Belo poem do seu pai..isso te leva a alguma historia?
Helio Neiva