quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

"A MÚSICA COMO DIVÃ" (matéria no O Popular)


 Matéria no Magazine do O POPULAR, 


por Taynara Borges.


Foto por Benedito Braga.



MÚSICA COMO DIVÃ





"Sou a segunda personalidade de Senador Canedo. A primeira foi o padre Peclat. Aliás, preciso te contar a história dele. É hilária. Tem um livro que vou te mostrar... ele tinha uns codinomes e publicava umas coisas... Massa demais!” A história parece, de fato, bastante interessante – sobre um religioso famoso e polêmico da região – e, embora tenha iniciado e permeado toda nossa conversa, ficou para uma outra oportunidade, se perdendo em meio às centenas de assuntos que Diego de Moraes associa ininterruptamente a cada palavra-chave que pesca ou que solta durante um bate-papo.

Com seu aguardado retorno aos palcos marcado para hoje, depois de ter passado mais de três meses longe do público após sofrer uma agressão em São Paulo que o fez passar por maus bocados e peregrinado por alguns hospitais, o músico recebeu O POPULAR em sua casa, na Rua Padre Francisco Peclat, em Senador Canedo, para uma xícara de café e uns quatro ou nove dedos de prosa.

“Olha só, meu show é quinta-feira, no mesmo dia de nascimento do Kurt Cobain, 20 de fevereiro. Ele é grunge, e eu comecei no grunge. Das consequências dessa vida...” Para Diego, tudo na vida se encaixa. Na cabeça dele, também. Pensamentos vêm e vão num ritmo frenético.

Virginiano, com ascendente em Áries, ele nasceu em Cuiabá (MT), 10 de setembro de 1985. “Minha mãe se apaixonou pelo meu pai em uma viagem que fez com minha tia e acabou se mudando para Cuiabá. Nasci lá, mas vim para cá aos dois anos de idade. O avô e o patrão do meu pai morreram, ele ficou muito triste, então eles resolveram voltar. Minha família foi a pioneira aqui da cidade. Meu tio virou nome de escola. Meu avô também é nome de escola. Um dia eu viro nome de escola, também”, conta, aos risos.

Em sua apresentação de retomada, O Show Vai Continuar, que realiza hoje, no Teatro Goiânia, Diego será Diego de Moraes – O Mascate. Os músicos que o acompanharão serão aqueles que caminham com ele em sua carreira solo: Fernando Cipó (guitarra), Zé Nascimento (baixo), Leonardo Vassoura (bateria) e Wassily Brasil (teclado). Entre as participações especiais estarão Carlos Brandão e Gustavo Veiga, Kleuber Garcez (Pó de Ser), Leo Pereira (Terrorista da Palavra), Salma Jô e Macloys Aquino (Carne Doce), além do Grupo de Teatro Bastet.

Odair José

Um dos artistas herdados pela mãe e que hoje figura como sua maior paixão é Odair José, para ele “o maior roqueiro goiano”. De acordo com Diego, o cantor de Pare de Tomar a Pílula foi um dos artistas mais subversivos de sua geração e só agora começa a ter o reconhecimento. “Cara, quem teve coragem de cantar ‘Eu vou tirar você desse lugar’?! Uma música que fala de um cara que se apaixona por uma prostituta! Ele era muito censurado, mas ninguém fala isso.”

Na segunda-feira, o cantor viajou até Brasília para participar de uma das seletivas para o musical As Canções de Odair José. Para a ocasião, confeccionou uma camiseta estampada com o disco O Filho de José e Maria, considerado seu álbum negro, rechaçado pela gravadora e pela Igreja Católica. Mas, segundo Diego, sua maior obra-prima. Mas o esforço não adiantou. “Como eu não sabia dançar, dancei.” Os diretores, embora tenham gostado do seu trabalho, precisavam de alguém com mais tino de ator.

Show: O Show Vai Continuar com Diego de Moraes, O Mascate
Data: Hoje, a partir das 21 horas
Local: Teatro Goiânia (Avenida Anhanguera c/ Avenida Tocantins, Centro)
Ingressos: R$ 10

Vida simples
20 de fevereiro de 2014 (quinta-feira)

Diego de Moraes vive em uma casa simples. Na medida das casas da vizinhança do Setor de Todos os Santos, mas simples ao se pensar que o garoto tem um nome conhecido na praça – seu trabalho já mereceu citações nas maiores revistas do gênero do País como Bravo!, Rolling Stone, Capricho, já rendeu matéria na TV Cultura, registro no britânico The Guardian e entrou para coletâneas da nova música brasileira na Inglaterra e na França.

Seu envolvimento inicial com o Fora do Eixo dá algumas pistas, se lembrarmos das denúncias da cineasta Beatriz Seigner à revista Veja da apropriação indevida do coletivo sobre o trabalho de seus artistas. “No começo eu não me importava em fazer shows de graça, mas hoje já estou um pouco mais seletivo.” No entanto, Diego admite que passou a encontrar certa dificuldade para tocar em alguns eventos que sempre abriam as portas para ele.

Para se bancar, o músico sempre deu atenção especial aos estudos e ao trabalho. Formado em História pela UFG, ele foi professor concursado da rede estadual de ensino até perder a vaga em um processo administrativo aberto contra ele no ano passado. “A diretora da escola onde eu trabalhava disse que eu não ia às aulas desde agosto, o que não é verdade. Eu perdi sim uma ou outra aula, mas lá diz que para ser abandono tem que ser um mês, e isso eu não fiz, não. Mas tem alunos e professores dispostos a depor a meu favor, estou tranquilo com isso.”

Por agora, enquanto espera ser reconduzido, o cantor se aventura pelo terreno da publicidade trabalhando como redator em uma agência, emprego oferecido por um grande amigo publicitário que o acompanha desde o incidente em São Paulo. Ele ainda é mestre em história pela UFG.

Diego mora com a mãe e com a irmã sete anos mais nova. “Tive que me tornar o homem da casa muito cedo. Daí minha preocupação em voltar logo para o trabalho. Tudo o que faço é para ajudar minha mãe.” O músico perdeu o pai muito cedo, aos dez anos e, desde então, assumiu algumas responsabilidades.

Mundo encantado

Neste contexto, a música surge como sua redenção. É nela que ele extravasa a dura realidade que o cerca desde menino, e que possibilita que ele transforme em arte os acontecimentos que, se reprimidos, poderiam ter desaguado em outras praias. E quanto a isso ele não tem dúvidas. Sobre o que o faz permanecer na estrada, ele responde rápido: “Não sei viver de outro jeito. Não sei viver sem fazer isso. Tem gente que acha que não, ou que eu poderia estar em uma condição financeira diferente. . A música é minha vida, é meu divã, é minha salvação. É com ela que jogo para fora o turbilhão de coisas que eu vivo.”

E a família é o centro motor de tudo. A mãe foi quem o introduziu no mundo musical. Sem condições para ser uma colecionadora de discos, sempre teve uma sensibilidade artística que comovia Diego, e foi dela, das músicas que ouvia no rádio, que ele herdou o amor pelos cantores e compositores que hoje norteiam seu trabalho.

Já do pai ele retirou o gosto pela palavra. Embora fosse menino, ele ainda recorda dos discursos feito pelo pai nas festas familiares e das cartas que ele gostava de escrever. Uma delas, a que escreveu antes de morrer, Diego levou para um show especial e acabou comovendo não só a plateia, como também a banda, que não segurou a emoção.

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