"Há várias formas de fazer música brasileira. Eu prefiro todas!" (Gilberto Gil)
No próximo domingo [amanhã] Gil tocará com a banda cuiabana Macaco Bong, em Goiânia. Estamos na expectativa de assistir esse encontro de duas perspectivas fundamentais da “linha divertida da música popular brasileira”: a Tropicália e o circuito independente. Futurível!
Para falar dessa expectativa eu precisaria gaguejar, procurar uma palavra inexata, tentar definir o indefinível, tal como as entrevistas poéticas de Gil. Meu amigo Kleuber me diz aqui: “Falar do Gil é complexo, senão usar as palavras que ele inventa”. Agora, imagina, falar do Gil e do Macaco Bong no mesmo texto... Não dou conta.
Macaco Bong é uma das bandas mais representativas da cena da música independente. Me lembro quando alguns integrantes do Macaco dormiram no sobrado que eu dividia com o Roberteira mais o Chelo (meu parceiro do Waldi & Redson e atual baixista do Porcas Borboletas), durante a gravação do cd “Artista Igual a Pedreiro”, no estúdio Rocklab, do mestre Gustavo Vasquez. Naquele momento de descontração (e concentração, deles) não podíamos imaginar que estava surgindo o cd a ser eleito o melhor álbum de 2008, pela revista Rolling Stone. Foi uma grande surpresa ver meus conterrâneos reconhecidos nacionalmente por apontarem um outro caminho na música. Um marco, pois este álbum, instrumental, sem uma frase, disse muito. Disse muito da filosofia do Circuito Fora do Eixo. Nunca vi o título de um disco gerar tanta polêmica, tanta discussão e reflexão sobre os novos rumos tomados pela música no Brasil e no mundo: na era da internet e da ascenção dos festivais independentes.
Já Gil vem de outra era de festivais (como foi bem documentado no filme “Uma noite em 67”), onde e quando eclodiu a Tropicália, que já era um grande encontro de perspectivas: a bossa e o rock, o popular e o erudito, o pop e a vanguarda, a velha e a jovem guarda. A canção Domingo no Parque, imagética, rica harmonicamente, já era uma síntese musical que unia os arranjos do maestro Rogério Duprat, o baião e o rock. Nas entrevistas, Gil, com sua ótica naturalmente visionária, enaltecia os Mutantes; que vinham na contramão da música popular de festival competitivo.
Refazendo a própria história, o grande artista supera o movimento, por estar em permanente movimentação. O Gil, depois da ebulição tropicalista de 68, fez coisas até mais interessantes, canções ainda mais fortes em discos emblemáticos, como a trilogia do “Re”: Refazenda, Refavela e Realce. Gil é um arquiteto de sons, mestre da palavra cantada. Por exemplo nesse verso: “Abacateiro acataremos teu ato, nós também somos do mato como o pato e o leão”. A aliteração, a poesia, o ritmo da frase, a musicalidade está toda nesse verso.
No youtube encontrei um documentário filmado em 1975, durante a gravação do disco Refazenda, onde Gil diz: “Enquanto o tempo não trouxer teu abacate, anoitecerá tomate e amanhecerá mamão. Essas coisas todas... Refazenda é tudo, é o meu trabalho, sou eu refazendo... tudo... andando de ré”. E “com fé”, né?
Estou muito curioso para ouvir o resultado desse encontro. Além de ser o encontro de dois ícones de diferentes “eras dos festivais”, também é o encontro da música negra no Brasil. Além disso, também é o encontro entre a palavra cantada e o som da banda sem letra, que diz. “Dentro do porta-luva, tem a luva, tem a luva”... “onde se faz caber o incabível”.
Gil cantou, em outra ocasião, a composição do Riachão: “Cada macaco no seu galho”. E no próximo domingo poderemos assistir o encontro dos "macacos e o buda" (termo de Alex Antunes), embaixo da sombra da mesma árvore...
Domingo no Campus... um passeio no parque...
Refazendo tudo.
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