sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O SIGNO POR DESÍGNIO (por Pio Vargas)



Texto que o PIO VARGAS escreveu para a orelha do livro "COISA INCOESA" (1993)
de Edival Lourenço
(ao falar da poesia do amigo Pio acabava falando muito da sua visão de poesia):




O SIGNO POR DESÍGNIO
* por Pio Vargas

            "Aos que tentar dar à função poética o falso entendimento de que poesia precisa dizer alguma coisa, Stefan Mallarmé foi enfático: “poesia não são idéias, são palavras”. Um outro grande artista francês, Flaubert, sustenta que ‘estilo’ nada mais é que o modo de ver muito particular de cada esteta. Nesse caso, e considerando a propriedade com que Mallarmé e Flaubert falam de arte, diluem-se as tentativas rasteiras e fáceis de extrair da poesia um certo significado nominal, como se a ela fosse dado o dever de dizer o óbvio. Ao contrário, a poesia é exatamente a arte de desmascará-lo e, como já dizia um certo crítico que minha memória deixa em débito, o poeta só diz algo quando não quer dizer nada. A súmula do que se diz simulado.
            Em Edival Lourenço predomina o signo, não o significado; a imagética, não a imagem; ou, pra ser sonoro e simplesmente: o fonema como fenômeno. Chego a verificar, inclusive, seu verdadeiro descaso para com o discurso, a insigne fuga, sobremodo para dentro de si mesmo, talhando antes cada detalhe, conversando com o verso e o construindo seguro e firme, certo de que a parte vale mais que o todo e que a haste é que tolera o toldo. Nele (o poeta) há nada a estorvar a estrofe, facilitando a degustação (e não entendimento, como se pensa erradamente). Por mais ininteligível, seu verso é sempre digestivo, saboroso e protogínico, tomando aqui a poesia como fonte alimentícia.
            Cada construção tem sua vida própria, não ficando a exigir que haja sempre um próximo verso a dar-lhe fôlego, ou que o poema se explique por inteiro, o que seria falso, porquanto duvidoso, já que a verdade tem minúcias muito particulares.
            Em Edival, o vício é realmente o verso, o inverso do que se pensa do ofício. E sua lavra livra-se de todas as amarras poéticas, oferecendo mil faces num só texto, pois o poema é o singular ousando-se em plural."

Pio Vargas
fevereiro de 89

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