domingo, 5 de dezembro de 2010

Hoje é dia de ouvir John Lennon (Parte 2 )


Na próxima quarta-feira completa 30 anos que Lennon vive em sua obra. Vai o homem e fica o nome. A obra é o que sobra.Vem a morte e fica a arte. John ONO Lennon vive.

Já escrevi sobre John aqui neste espaço, no dia do show do Paul. Decidi falar novamente, mais um pouquinho, desse tema inesgotável. Olhando a capa do clássico disco Plastic Ono Band (que uso como imagem de fundo na área de trabalho do meu computador) vejo uma bela foto de John, no colo de Yoko, embaixo de uma grande árvore. Foto confortante para um disco desconcertante. Impactante.

Esse disco, altamente confessional, completa 40 anos de aniversário. Uma obra de arte maior, por ser totalmente pessoal e ainda revelar angústias de uma época, por ser datado e manter a atualidade com o passar do tempo, por ser um homem e o mundo, simultaneamente. O disco começa com a psicanalítica Mother (que acaba, com gritos primais, implorando: “mamãe não se vá, papai volte para casa”) e conclue com: “mamãe está morta”. Constituído por várias pérolas, traz vários lados (embora, fisicamente, só tenha dois) e, mesmo assim, ainda mantém uma unidade conceitual: do lado político-irônico de Working Class Hero, passando pela singela-romântica Love e chegando na polêmica-emblemática God.

Na minha cabeça, os anos 70 nascem com a canção God (ao lado de Won’t Get Fooled Again, do The Who), com toda a sua carga de desilusão. Em sua lista iconoclasta, John sentencia: “não acredito nos Beatles”. Naquele momento, ele só acreditava nele (aliás nele e na Yoko). Em God todos os mitos vão por água abaixo. Em God é lançada uma provocação que até hoje angustia: “O sonho acabou”.

Porém, como meu avô sempre dizia: “o homem nasce, cresce, reproduz, pára de sonhar, entristece e morre”. Logo o decreto do “fim das utopias” não pode ser definitivo, pois uma das maiores características do humano é ser um ser-em-projeto, ou seja, um ser que sempre se lança para além de si, na dimensão do futuro, a partir de sua circunstância. O próprio John, depois de God, legaria ao mundo a utópica Imagine – com seu pacifismo altamente subversivo. “Imagine um mundo sem religiões” é uma frase que permanece polêmica. E o convite a imaginar um outro mundo merece sempre ser lançado no ar.

Mas, voltando à God, é bom sublinhar que o compositor brasileiro Taiguara (uma das grandes vítimas da ditadura), em 1972, discordava de John. No disco “Taiguara, piano e viola”, o lado 1 começava com a faixa Teu Sonho Não Acabou. E terminava esse mesmo lado com a bela canção Rua dos Ingleses, em que há uma explícita briga com God. Em defesa de Deus, cantava Taiguara: “Deus NÃO é um conceito com o qual medimos a nossa dor”. Mas, lembremos da mensagem do apóstolo Paulo: “Quando eu sou fraco é que eu sou forte”...

Quando lançava o Plastic Ono Band, o palhaço-chateado John Lennon (...


...) disse, na antológica entrevista que deu para Jann S. Wenner da revista Rolling Stone, em 1971, que sempre escreveu sobre ele mesmo. In My Life, I’m a Loser, Help e Strawberry Fields eram gravações totalmente pessoais, biográficas. Na sua singularidade o homem John Ono Lennon, universalizava o pedido de “socorro” de muitos homens. E mulheres também, ao cantar que “a mulher é o escravo do mundo”. O “working classe hero” John Lennon cuspia no mundo que o evidenciava enquanto artista, com a sua arte, levando suas próprias contradições ao extremo, consciente de que a obra é o que sobra.

Hoje é dia de colocar a música de John Lennon para tocar na vitrola. E, mesmo que o sonho tenha acabado, uma coisa é fato: o som continua aí...



(publicado no jornal Diário da Manhã)

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